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Em meio a bravatas golpistas e ao ufanismo forçado dos desfiles militares, um evento em Belo Horizonte quase passou despercebido durante o último 7 de setembro. Pela 19ª vez, um grupo de amigos percorria todo o trajeto da Avenida do Contorno (que, como o nome já diz, é circular), passando por todos aqueles pontos onde a Contorno se encontra com ela mesma, até voltarem ao ponto de partida, mais velhos, cansados e bêbados.

Os meios de transporte para completar a volta variam: a maioria vai caminhando, mas as crianças eventualmente se aproveitam da fofura infantil para convencer um adulto a levá-las sobre os ombros. Os bebês, obviamente, alternam entre o carrinho e o colo do pai ou da mãe. E ainda teve quem se aventurasse em cima de um monociclo! Carros e motocicletas estão vetados, mas, qualquer meio de propulsão humana é válido para completar a volta.

Desde 2004, a Volta Anual da Contorno (Vaco) é uma oportunidade de percorrer a avenida que, ao abraçar a região central da cidade, também acolhe suas desigualdades. Em alguns trechos, a sombra agradável das árvores nos permite olhar para o alto e apreciar, ainda que um pouco desgostosos, os edifícios novos e brilhantes dos bairros de classe alta, com seus jardins igualmente impecáveis. Em outros pontos, a avenida se mostra um deserto urbano: sem árvores e desbotada pelo concreto cinza das grandes obras viárias, que escondem até mesmo a água que corre ali por baixo.

Alguns percalços aparecem durante todo o trajeto, não por serem característicos da Avenida do Contorno, mas porque são aspectos negligenciados em toda a cidade. O principal deles é a dificuldade de andar pelas calçadas, ora desviando dos buracos, ora carregando o carrinho de bebê para descer um degrau completamente desnecessário.

Prevista em várias leis, a priorização dos pedestres no planejamento está longe de ser realidade em grandes centros urbanos brasileiros. Pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida frequentemente não podem exercer seu direito de transitar a pé pela cidade, enfrentando inúmeras dificuldades, mesmo em pequenos percursos.

Além da acessibilidade das calçadas, vale citar um outro problema da região central de Belo Horizonte e de tantas outras grandes cidades: a falta de banheiros públicos. É verdade que a Vaco acontece só uma vez ao ano, mas todos os dias a população de Belo Horizonte frequenta o Centro da cidade e precisa lidar com a lógica perversa de consumir alguma coisa para, como consumidora, adquirir o direito de usar o banheiro. Para as milhares de pessoas em situação de rua, o único caminho tende a ser o de fazer suas necessidades em vias públicas, ferindo a dignidade dessas pessoas, além de gerar problemas ambientais e de saúde pública.

Mobilidade ativa

Desprendida do relógio, a Vaco objetiva chegar de volta ao ponto de partida, sem se preocupar com o tempo que leva percorrer os quase 12 quilômetros de extensão da avenida. Houve ano que isso ocorreu em pouco mais de duas horas, outro chegou a durar sete horas. Em 2022, foram quase seis horas de caminhada. Andando junto com as perninhas curtas das crianças e realizando diversas pausas para comer, beber e até para amamentar os bebês, a volta permite usufruir de um dos bens mais valiosos da cidade: o tempo de ócio e lazer.

Apesar dos pesares, a Vaco é inspiradora e nos convida a conhecer a cidade no ritmo da mobilidade ativa, do deslocamento mais lento e mais atento aos detalhes, seja o jardim de um prédio chique, ou aquela lojinha simples, metade bar metade oficina mecânica, que mais parecia um oásis com água e cerveja geladas em meio ao deserto cinza nos entornos da rodoviária. A verdade é que, mesmo em seus pontos mais abandonados e degradados, a cidade tem seus encantos. E, para apreciá-los, é necessário estar a menos de 60 quilômetros por hora.