Mais transporte público, mais acesso à saúde
Texto originalmente publicado na coluna Busão Nosso de Cada Dia do Brasil de Fato MG
Em fevereiro de 2016, a Prefeitura de Belo Horizonte – ainda na gestão de Márcio Lacerda – firmou um contrato de Parceria Público Privada (PPP) para a concessão de parte dos serviços de apoio à rede de atenção primária da saúde do município. A vencedora da licitação, a SPE (Sociedade de Propósito Específico) Saúde Primária BH S/A, ficaria com a obrigatoriedade de administrar e gerir serviços como limpeza, conservação, manutenção predial, segurança patrimonial, entre outras. Ainda eram previstas obras de construção e reconstrução de novas unidades da rede primária.
Na atual gestão de Alexandre Kalil, o contrato sofreu alterações por aditivos e redução do total de obras. No início de 2019, foi anunciada a construção de 40 novos centros de saúde pela parceria. Atualmente, Belo Horizonte possui 162 equipamentos deste tipo espalhados pelo município. Apesar de todos os problemas advindos dos contratos de PPPs e concessões – vide os de transporte coletivo -, os novos centros de saúde são muito bem-vindos dadas as condições precárias que muitos bairros se encontravam.
De acordo com a proposta, alguns centros seriam demolidos e reconstruídos no mesmo local, enquanto outros seriam construídos em novos locais próximos aos já existentes. As novas unidades terão suas estruturas ampliadas e serão totalmente acessíveis às pessoas com mobilidade reduzida, segundo a Prefeitura.
Ainda no ano de 2019, foi concluída a primeira obra: o Centro de Saúde Cabana, no bairro Cabana, Regional Oeste. A unidade era tida como uma das prioridades no novo arranjo contratual. Em 2020, com a pandemia, apenas uma unidade foi entregue, a do Centro de Saúde Boa Vista, no bairro Boa Vista, Regional Leste. Já no atual ano de 2021 foram entregues até o momento 15 novos centros, localizados em seis das nove regionais do município. Apesar de bem-vindos, causa preocupação a mudança de local de alguns centros de saúde.
De acordo com as informações disponíveis no site da Prefeitura, 31 das 40 unidades serão em novos locais, sendo que 15 já foram inauguradas e outros 16 centros ainda sofrerão alteração de endereço. Na média, as unidades com mudança de endereço estarão a cerca de 700 metros das anteriores. Em dez unidades, porém, o novo equipamento estará a mais de 800 metros da anterior. 700 metros parece pouco, mas num contexto de precariedade de acesso do transporte coletivo, essas mudanças podem piorar a vida dos cidadãos e cidadãs.
Desigualdade no acesso ao transporte coletivo
De acordo com dados do Projeto Acesso a Oportunidades, do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em 2019, Belo Horizonte possuía as maiores desigualdades de acesso por transporte coletivo (ônibus) a equipamentos de saúde quando comparado com capitais como São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, Fortaleza, Recife e Rio de Janeiro. O resultado também é ruim considerando somente os equipamentos de baixa complexidade, que incluem os centros de saúde.
Analisando por grupos de renda da população, o número de equipamentos de saúde de baixa complexidade acessíveis em viagens de até 60 minutos por transporte público pelos 10% mais ricos da população de Belo Horizonte é quase duas vezes maior que o número de equipamentos acessíveis pelos 40% mais pobres da população do município. Por grupos de cor, brancos também acessam mais facilmente equipamentos de baixa complexidade por transporte público do que negros (pardos e pretos).
Atropelos na construção dos novos centros de saúde
Na unidade do Centro de Saúde Confisco, moradores tentaram dialogar com o poder público pela permanência do equipamento no bairro Confisco, mas não foram ouvidos. A nova unidade foi inaugurada no bairro Bandeirantes, em maio de 2021, aproximadamente 2 km de distância da anterior.
Dentre as obras, esta foi a que mais se distanciou do ponto original. Moradores apontaram inclusive a ausência de linhas de ônibus para o novo local. Se antes a maioria chegava em 5 minutos a pé, agora, demoram quase 25 minutos a pé ou precisam pagar o valor de R$ 4,50 e permanecer cerca de 30 minutos no transporte coletivo.
Situação semelhante ocorreu na unidade do Centro de Saúde Vila Maria, onde a nova sede no bairro Jardim Vitória foi inaugurada com a segunda maior distância de mudança: 1,7 km da unidade anterior, que agora funciona como anexo. O tema foi pauta na Comissão de Saúde e Saneamento da Câmara Municipal por demanda de moradores do bairro Vila Maria. Se antes os moradores chegavam ao centro em menos de 5 minutos a pé, agora, precisam pagar R$ 4,50 e se deslocar cerca de 15 minutos de ônibus.
No Centro de Saúde Marivanda Baleeiro, no bairro Paulo VI, a situação também foi debatida na Câmara. Segundo moradores, a Prefeitura não esteve aberta ao diálogo com a comissão local de saúde, que defendia a manutenção da antiga sede junto à nova. O novo centro foi inaugurado em abril, no mesmo bairro, mas a 1,6 km de distância do anterior, a terceira maior distância. Mais uma vez, moradores agora precisam pagar R$ 4,50 e permanecer cerca de 15 minutos de ônibus para acessar o novo local.
No bairro Havaí, moradores ainda tentam dialogar com o poder público sobre o novo Centro de Saúde Havaí, que ficará a 585 metros do anterior. Entre os pedidos estão obras de melhoria do acesso viário e oferta de linhas de ônibus que atendam o bairro e o novo local. As principais linhas que passam pelo novo local atendem somente ao bairro Buritis e, na média, moradores do bairro teriam que se deslocar quase 16 minutos de ônibus até o espaço.
A resposta da BHTrans no debate da Câmara não foi muito satisfatória: “(…) a Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans) informou que já há projeto para que o usuário possa ir de carro até a Rua Deputado Sebastião Nascimento, estacione próximo a uma rotatória e, de lá, vá a pé até a Rua Paulo Diniz Carneiro, onde será a entrada do novo centro de saúde”.
Direito ao transporte para acessar outros direitos
É direito do usuário e da usuária, principalmente dos centros de saúde, ter acesso ao serviço por transporte público e com qualidade. Nem todos possuem ou podem utilizar o transporte privado. Desde 2018, moradores dos bairros Havaí, Vila Havaí, Ventosa e Vila Barão realizam uma importante campanha de mobilização pelo Miquinho das Vilas, linha de vilas e favelas que supriria a ausência de oferta na região, conectando os quatro bairros e os principais comércios e serviços.
Ótimo momento para se criar uma linha conectando também ao novo centro de saúde. Será que o poder público está disposto a dialogar?
Outra semelhança em todos os anúncios de conclusão de obra é que a Prefeitura sempre destaca o conforto dos novos ambientes. Conforme destacamos anteriormente, é imensurável o ganho para a população com as novas unidades. Porém, há de se ressaltar que, além de ignorar as demandas e a participação da população, o poder público parece ignorar que acesso à saúde é mais do que construir novos equipamentos. É também oferta de transporte público, barato e de qualidade.
A expansão, ou neste caso, a reestruturação da rede de saúde, precisa ser acompanhada da oferta de transporte público, pois são justamente nos locais onde estes equipamentos se fazem presentes que residem as populações mais vulneráveis e com menos disponibilidade de ônibus.
Fontes utilizadas:
BH Map – SMSA/Centros de Saúde.
Portal de Dados Abertos da PBH – BHTRANS/GTFS Estático do Sistema Convencional.
Projeto Acesso a Oportunidades – Pereira, R. H. M., Braga, C. K. V., Serra, Bernardo, & Nadalin, V. (2019). Desigualdades socioespaciais de acesso a oportunidades nas cidades brasileiras, 2019. Texto para Discussão Ipea, 2535 . Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Available at http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/9586.
OpenTripPlanner for R – Morgan et al., (2019). OpenTripPlanner for R. Journal of Open Source Software, 4(44), 1926, https://doi.org/10.21105/joss.01926.