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Como calculamos quanto as empresas nos devem pela retirada ilegal dos cobradores

R$ 202.898.597,50 é o valor que as empresas arrecadaram ilegalmente, retirando os cobradores dos ônibus nos últimos 2 anos. Neste post explicamos como chegamos nesse número.

Começamos calculando quanto custa um cobrador (agente de bordo) por mês para o sistema de ônibus da cidade. De acordo com a última convenção coletiva da categoria, publicada aqui. O salário de um agente de bordo é de R$ 1.133,98. Esse valor é vigente desde outubro de 2018, antes o valor era de R$ 1.090,37. Como estamos calculando o quanto as empresas lucraram entre janeiro de 2017 e dezembro de 2018, vamos usar uma média ponderada de R$ 1.115,81. Vejam que, pra todos os efeitos, é um salário muito baixo. Uma profissão precarizada.

Professor Raimundo fazendo sinal de salário pequeno.

Sobre esse valor de R$1.115,81, as empresas pagam encargos sociais como a taxa do SEST/SENAT, INSS, FGTS, 13° salário, entre outros, que totalizam 37,59% da base salarial, conforme informado pela BHTRANS. Isso dá R$ 417,43 no caso dos cobradores.

Além disso, há um valor gasto com benefícios da convenção coletiva da categoria, como convênio de saúde, odontológico, etc. Segundo a Maciel Consultores, que fez a “verificação independente” do sistema de ônibus em 2018, esses benefícios totalizam um valor financeiro de R$ 669,59. Somando salário-base, encargos sociais e benefícios da categoria, chegamos a:

R$ 1.115,81 + R$ 417,43 + R$ 669,59 = R$ 2.203,72

Isso é quanto custa um agente de bordo por mês no sistema de ônibus de BH. E quanto custam todos os agentes de bordo no sistema? Bom, se as empresas cumprissem a lei municipal 10.526/2012 (art. 1°), coisa que não fazem, teríamos que as únicas exceções para operação sem cobrador são:

“os veículos das linhas trincados do sistema de bus rapid transit – BRT, os veículos em operação em horário noturno e nos domingos e feriados, e os veículos dos serviços especiais caracterizados como executivos, turísticos, ou minionibus”

Isso tá na lei municipal 10.526 de 03/09/2012, é só olhar. Ou seja, sábado tem que ter trocador, horários de pico e fora pico tem que ter trocador. A grande maioria dos ônibus é obrigada a ter trocador.

Nos cálculos tarifários estipula-se um “fator de utilização” (FU) que indica a quantidade de trabalhadores necessária para fazer o serviço funcionar no quadro de horários previsto. Segundo, novamente, a Maciel Consultores, o FU pros agentes de bordo é 2,33 trabalhador por veículo. Nós calculamos um valor maior, mas vamos usar o número “oficial” reconhecido pela BHTRANS. A frota operacional de BH é de 2.579 veículos, com a necessidade de 2,33 cobrador por veículo, chegamos a:

2.579 x 2,33 = 6.010 agentes de bordo para operar todo o sistema

Se são necessários 6.010 agentes de bordo para operar todo o sistema de ônibus de BH, e cada um deles custa R$ 2.203,72, temos:

R$ 2.203,72 x 6.010 = R$ 13.242.407,23 de custo para o sistema por mês.

Guardem esse número, porque ele vai ser importante mais à frente. Nós já temos o custo mensal das empresas com os cobradores usados em 100% dos casos obrigatórios . Agora, para cada cobrador retirado, há um motorista cobrando passagem, exercendo dupla-função. E essa dupla-função tem “regulamentação”.

No acordo da convenção coletiva dos trabalhadores rodoviários com os donos de empresas de ônibus, os patrões estipularam que esses motoristas ganhariam 20% a mais sobre o salário-base de um motorista comum (cláusula 12).

Então, vamos calcular esse custo, considerando que as empresas cumprem esse acordo (risos). Um motorista comum ganha R$ 2.231,62 por mês, mais encargos sociais e benefícios, totalizando R$ 3.737,84. Já um motorista em dupla-função tem salário de R$ 2.677,94 e custo total de R$ 4.351,50. Então, para cada motorista em dupla-função, o custo adicional para o sistema é de:

R$ 4.351,50 − R$ 3.737,84 = R$ 613,66 por motorista

Ok, agora temos todos os dados básicos pra saber o quanto as empresas economizaram nos últimos dois anos com a retirada ilegal de cobradores. Nós vamos usar um valor de retirada de 80% de cobradores em 21 desses 24 meses e 72% nos últimos 3 meses. Esse valor é uma estimativa, porque, desde 2008 com o novo contrato, quando abdicou do controle de custos do sistema, a BHTRANS não é capaz de informar quantos cobradores estão no sistema ou foram demitidos. Vejam a resposta que obtivemos via LAI (Lei de Acesso à Informação):

Essa estimativa de retirada de 80% de cobradores é baseada em notícias de jornal e na experiência cotidiana. É só ir em qualquer estação de ônibus pela manhã e olhar a seu redor. Se pergunte, a linha de ônibus que vc pega tem cobrador nos últimos anos?

A prefeitura e o Alexandre Kalil afirmaram que fizeram um acordo com as empresas pra recontratar 500 cobradores. Ok, mas, como falamos lá atrás, são necessários 6.010 cobradores no sistema, 500 não configuram nem 8,5% do total necessário. Então fizemos uma média, 80% de retirada entre janeiro de 2018 e setembro de 2019, e 71,68% entre outubro e dezembro desse ano. Uma média de 79% de retirada de cobradores. 1% a menos, grandes coisas, Kalil.

Então, o novo fator de utilização de cobradores é 21% do antigo. 21% de 2,33 é 0,49 agente de bordo por veículo por dia que as empresas estão utilizando. Com esse valor, o custo com os cobradores fica:

0,49 x 2.579 veículos x R$ 2.203,72 = R$ 2.780.881,05 por mês

Além desse valor, temos o custo adicional com a dupla função do motorista nos 79% de viagens em que se retira os cobradores.

79% de 2,33 x 2.5792 veículos x R$ 613,55 = R$ 2.913.102,10

Somando o custo com os cobradores remanescentes e o custo com a dupla-função dos motoristas temos R$ 5.694.983,16 de custo mensal de operação do sistema. Muito menor que os 13 milhões gastos com 100% de cobradores. Na verdade, tão menor que:

R$ 13.242.290,73 − R$ 5.693.983,16 = R$ 7.548.307,57 economizados por mês médio de operação!

Isso, multiplicados pelos últimos 24 meses dá R$ 181.159.381,70 economizados nos últimos 2 anos! E esse dinheiro não fica embaixo do colchão né. A uma taxa de rendimento modesta de 0,8% pra cada parcela de 7,5 milhões de reais, temos um rendimento total de 10,6% no montante, chegando a R$ 202.898.597,50!!!

DUZENTOS E DOIS MILHÕES DE REAIS!

Esse valor foi obtido de maneira absolutamente ilegal pelas empresas de ônibus, e tem que ser devolvido pra população. A forma mais justa é devolver como desconto na tarifa, pra cada viagem de ônibus feita.

Entre 01/10/2018 e 30/09/2019 tivemos 357.543.120 de passageiros transportados por ônibus em BH, dos quais 303.911.652 pagaram passagem. Ora, dividindo os R$ 202.898.597,50 por essas 303.911.652 viagens pagas, temos R$ 0,67 por viagem. A gente até arredonda esse valor pra R$0,65. A passagem, agora, de imediato, pra começo de conversa, tem que ser reduzida pra PELO MENOS R$ 3,85!

Devolve nossa grana SETRA-BH! BHTRANS e Kalil, entenderam a conta? Tá nas mãos de vocês agirem pela retomada dos direitos de quem anda de ônibus. Redução da tarifa para R$ 3,85 e garantir a recontratação dos 6.010 cobradores.